Em um mundo marcado pela comoditização da arte e artificialização do sensível, onde tudo é tão apressado, e o acesso ao mercado (leia-se ayé ni ojà) de circulação de conhecimento excluiu de Exu Oloja a centralidade das trocas, questiono se há ainda espaço para uma relação espiritual com a criação. Ainda vigora um contrato não escrito onde o sofrimento é valor e mérito para a arte e o artista. O ocidente gosta de romantizar a dor e dar cabeça ao sofrimento.
Obatalá é o primeiro artista, a ele foi confiada a arte (ona). Em seu ateliê recebia de Yemanjá a água trazida todos os dias por um hipopótamo. Com a água, elemento mais antigo que há, hidratava a sua massa para moldar os corpos dos seres que iriam nascer no Aye. Yemanjá temperava seus animos, orientava sua criação e o protegia de influências negativas, para que não desviasse sua atenção da tarefa e não criasse coisas que não coubessem no mundo. Sua obra, todavia, não seria pendurada ou socializada em vitrines e galerias. Nós somos suas criações, temos a água no nosso corpo também, somos interlocutores e continuadores dessa criação que nunca termina. Não deveríamos pendurar o nossa criatividade e sensibilidade na parede, delimitar até onde deve ir e retirar seu sopro vital em caixas de acrílico. Antes de me comunicar pela astrologia, eu tecia diálogos com imagens. Pintava com tesouras nas colagens, e foi exatamente aí que o meu contato e conexão com a orixalidade se estabeleceu. Tudo começou com uma criação misteriosa que depois fui reconhecer como Nanã, a senhora do barro primordial, a tal massa que Obatalá moldou, e cuja água Yemanjá forneceu como narra um Pataki. Mesmo distante dessa linguagem, a astrologia me trouxe outra forma de comunicar, e com seus símbolos e montagens, sempre misteriosas, fez-se de tela para compor novas colagens e contar histórias.
0 Comments
|
AutorFelipe Zúñiga: Histórico
November 2022
Categorias |